Jander Vieira entrevista

Delegado federal Mauro Spósito, conhecido como 'lenda' entre os delegados e juízes federais

Em vias de completar 65 anos em 2015, o delegado de POLÍCIA FEDERAL Mauro Sposito, a lenda – como é conhecido entre os delegados e juízes que trabalham com tráfico transnacional de drogas – abre uma exceção em sua FECHADÍSSIMA agenda e atende o Blog para uma entrevista exclusiva. Dotado de um carisma e uma competência marcantes, o delegado tem seu trabalho registrado na história da Polícia Federal Brasileira.

 

Conte um pouco da sua trajetória na Polícia Federal:

Cursei a Academia Nacional de Polícia em 1976, e tomei posse na Polícia Federal em 4.2.1977, portanto tenho 39 anos de PF e mais cinco de Polícia Civil. Atuei como Superintendente Regional do Amazonas no período de 1993 a 2000, e como coordenador de Operações Especiais de Fronteiras entre 2003 até 2013.

Anteriormente estive em outras lotações, a primeira como substituto da Chefia da Delegacia de Polícia Federal em Dionísio Cerqueira/SC, depois como coordenador Regional Judiciário da Superintendência do Acre, chefe da Delegacia de Polícia Federal em Marabá/PA, assistente do Diretor de Ordem Política e Social do DPF, superintendente Regional do Acre, chefe do Serviço de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras de SR/DPF/SP, chefe de Gabinete do Diretor Geral da Polícia Federal e substituto do Secretário de Polícia Federal.

 

O senhor é conhecido pelo trabalho policial internacional que sempre desenvolveu, especialmente em operações de fronteira. Conte um pouco dessa experiência.

A nível internacional, no período de 1995 a 1997, estive a frente da Secretaria Executiva da Comunidade Andina de Inteligência Policial. No período em que estive a frente da SR-AM foram realizadas inúmeras operações, sendo que a ênfase foi o combate ao narcotráfico e, se não a principal, mas as que mais me marcaram foram as Operações AMISTAD, responsável em grande parte pelo término da ponte aérea que existia entre Peru, Brasil e Colômbia para o transporte de cocaína; foram realizadas inúmeras prisões e a apreensão de mais de uma centena de aeronaves.

 

O senhor viu, participou e trabalhou em inúmeras operações policiais federais. Qual seria a mais marcante que vale a pena mencionar?

A Operação ÁGUIA, envolvendo mais de trezentos policiais e cerca de dois anos de trabalhos contínuos, apesar de ter sido realizada em período em que não estava frente da SR-AM, reconheço ser um referencial das ações realizadas no Amazonas pois demonstrou a banda podre existente na esfera policial. Infelizmente somos obrigados a reconhecer que bandidos travestidos de policiais impunham domínio de território para realização dos mais diversos ilícitos. Apesar da imensa coletânea de provas anexadas aos autos poucos foram punidos. E o que mais me marcou foi a foto do Agente de Polícia Federal – Mauro Lobo, assassinado em 17.11.2010, em confronto com traficantes, colocando ALGEMAS no delegado Cavalcante,  ser  publicada no  jornal “a Crítica” dez dias após sua morte, com o título “Justiça determina retorno do delegado Cavalcante para a Polícia Civil”.  São as INCONGRUÊNCIAS da vida.

 

Qual o maior problema atual relacionado a drogas nas fronteiras do Norte do Brasil?

O ingresso de cocaína em solo brasileiro pelas fronteiras internacionais do Estado  do Amazonas é o maior problema atual, a situação é complexa em face as peculiaridades  regionais, a difusa malha fluvial e a inospitalidade da área, colaborando para tanto o fato de que, além das tradicionais zonas “cocaleras”, que tradicionalmente forneciam o entorpecente para o território brasileiro, seja para consumo ou trânsito, tem-se o surgimento de uma nova área de produção de cocaína, pelos peruanos denominada Bajo Amazonas, que em realidade engloba a Província Mariscal Ramón Castilla, Departamento de Loreto.

Referida área, surgida a partir de 2007, fundada em nova metodologia de obtenção da pasta base de cocaína, está situada junto a fronteira do Brasil e sua produção se destina única e exclusivamente ao território brasileiro.  Sua potencialidade é ASSUSTADORA e cresce nos últimos quatro anos em índices superiores a 50%.  Os cálculos menos expressivos atingem mais de 200 mil quilos de cocaína ano, sendo que os mais consistentes expressam 300 mil kg/ano. Esta situação traduz uma evasão de divisas anual em torno de US$ 300 milhões e uma economia subterrânea de US$ 1.5 bilhões que fortalece o crime organizado e submete a sociedade a PRIVAÇÃO de liberdade por meio de atos de selvageria e barbárie.

 

Como está a situação em Tabatinga, onde o senhor tem fortíssima atuação atualmente?

Em Tabatinga, como em alguns outros pontos de fronteira, a presença do Estado é INSUFICIENTE, com parcos efetivos, a maioria dos Policiais Federais designados para aqueles rincões apenas pensam em retornar as suas origens. Advogo, e sou sempre vencido, que a maior concentração de efetivos deveria ser, no caso específico do Amazonas, na capital, possibilitando o deslocamento temporário de servidores para a fronteira. Por incrível que pareça é mais econômico, sem contar ser mais produtiva, vez que o servidor não teria as preocupações de segurança de sua família, e o efetivo seria mais reduzido vez que a dedicação ao serviço seria plena.

 

Quais seriam, atualmente, os métodos de trabalho promissores?

Estamos testando um novo método de trabalho que, a princípio, se demonstra exitoso: combater o mal na origem. Ou seja, no caso específico do Peru, com ações de inteligência e logística, apoiamos a DESTRUIÇÃO de laboratórios e erradicação de cultivos. Outro método que em breve será acionado é o corte de suprimentos. O crime organizado floresce em razão dos lucros que obtém com a venda de entorpecente. Obstruindo o ingresso de cocaína os traficantes perderão o poder econômico para contratar os soldados do narcotráfico. É nesta direção que pretendemos caminhar.

Em meados da década de 90 já alertávamos para o risco do caldo-de-cultura da violência permear nossas fronteiras e contaminar a população amazônica, tradicionalmente pacata e ordeira. Apesar dos alertas eis que o fato ocorreu. Qual a causa? Respondo: AUSÊNCIA DO PODER PÚBLICO, a falta de continuidade dos trabalhos programados e, fundamentalmente, a insistência em realizar ações episódicas em detrimento das de caráter permanente.

 

Pela sua admirável experiência, quais as principais causas explosão de violência no Amazonas e no Brasil?

No Amazonas, segundo a Secretaria de Segurança Pública, cerca de 80% dos crimes violentos contra a vida são decorrentes do tráfico de drogas. Em todo o território nacional este percentual oscila em margem superior a 50%. Portanto, a explosão da violência está intimamente ligada ao narcotráfico. As razões da expansão da violência é a ampliação do mercado consumidor e a conquista de novos clientes. Segundo a Universidade Federal de São Paulo, em 2012, existiam mais de 2 milhões de usuários de drogas cocaínicas no Brasil. Prefiro restringir-me ao Estado do Amazonas e voltar a afirmar que enquanto não se cortar a fonte de recursos da criminalidade organizada não veremos diminuir a violência e pelas condições geográficas de nosso Estado só existe uma solução: ação contínua e ininterrupta de FISCALIZAÇÃO em todas embarcações que ingressam em território brasileiro pelo Rio Amazonas e o controle do fornecimento de combustível aeronáutico.

 

Qual seria o remédio para combater o crime?

Não há um remédio específico a que se possa atribuir o combate da criminalidade, considerando as mais diversas variáveis existentes, mas a adoção de ações preventivas PERMANENTES demonstra ser um dos métodos mais eficazes.

 

Cerveja, vodka ou champanhe?

Cerveja.

 

Qual a impressão sobre o Blog? 

A melhor possível: INDEPENDENTE e FORTE. Que se mantenha assim!