Justiça decide que mães hansenianas têm direito de conhecer seus filhos que foram tomados pelo poder público

A Justiça Federal determinou que a União e o estado do Amazonas promovam, em até 120 dias, a identificação, a catalogação, a restauração e a manutenção dos acervos documentais de estabelecimentos destinados à recepção e manutenção de crianças separadas compulsoriamente de seus pais em razão da política de isolamento e internação compulsória de pessoas atingidas pela hanseníase. A decisão liminar foi concedida em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) para assegurar o reconhecimento histórico das violações aos direitos humanos realizadas em desfavor dos filhos separados de pais com hanseníase, em especial entre as décadas de 1920 e 1980, bem como a reparação dos danos causados. Leia a decisão na íntegra.

De acordo com a decisão da juíza federal Jaiza Fraxe, titular da 1ª Vara Cível, a União e o Estado do Amazonas devem produzir, no prazo de 120 dias, catálogos eletrônicos que possibilitem a utilização de informações do acervo para o desenvolvimento de políticas públicas de atenção aos filhos separados.

A política segregacionista de combate à hanseníase desenvolvida pelo Estado Brasileiro, sobretudo no período de 1920 a 1980, previa a internação compulsória de portadores de hanseníase. O objetivo, em tese, era de isolar o portador das pessoas saudáveis, para diminuir o risco de contágio, e realizar o tratamento dos doentes. Promovia ainda a separação dos filhos saudáveis dos portadores de hanseníase logo após o parto.

Na prática, conforme aponta o MPF na ação, a realidade dos hospitais-colônia destoava de qualquer perspectiva de ambiente propício ao tratamento dos enfermos, pois eram ambientes violentos, que apresentavam más condições de vida para qualquer indivíduo e sem a estrutura mínima para a realização de tratamentos médicos.

Em relação aos filhos, a separação compulsória de centenas de crianças, sem que pudessem receber os primeiros acalentos maternos, o amor e cuidados dos pais, bem como estabelecer os laços familiares imprescindíveis à formação da identidade e desenvolvimento da personalidade de qualquer indivíduo, pode ser considerada uma verdadeira atrocidade, afirma o MPF.

Banco genético – O resgate da identificação das mães, dos pais e dos filhos separados, de acordo com a decisão judicial, deve ser feito pela perícia técnica do estado do Amazonas e pela Polícia Federal, que dispõem de equipamentos e insumos que permitem a formação de um banco genético. O Estado do Amazonas deve promover a busca de famílias separadas entre os anos de 1920 e 1950, e a União deve realizar a busca entre 1950 e 1980 e dos casos eventualmente ocorridos nos anos seguintes.

Entre os pedidos do MPF na ação civil pública está o de que a União e o Estado sejam obrigados a desenvolver política sanitária voltada especificamente aos filhos separados compulsoriamente de seus pais, priorizando a atenção à saúde física e mental desses indivíduos, para amenizar as consequências do rompimento de vínculos familiares; e a implementação de um sistema que reúna o acervo documental, material genético e relatos escritos ou orais relacionados a pessoas separadas compulsoriamente de seus pais em razão da política de isolamento e internação compulsória de pessoas atingidas pela hanseníase.

O MPF pede também que, ao final da tramitação do processo, a União e o Estado do Amazonas sejam condenados ao pagamento de R$ 300 mil como indenização por dano moral coletivo, em função das violações aos direitos humanos perpetradas durante décadas em desfavor dos filhos separados de pais com hanseníase durante o período da política de segregação e internação compulsórios.

Os pedidos ainda serão analisados pela Justiça Federal durante o andamento do processo. A ação civil pública segue tramitando na 1ª Vara Federal no Amazonas, sob o número 202-19.2017.4.01.3200.

Política de isolamento – Um acordo celebrado entre o Estado do Amazonas e a União, em 1920, implantou o Serviço de Profilaxia e Saneamento Rural no Amazonas. A política de isolamento compulsório das pessoas com hanseníase somente se efetivou no estado com a inauguração do Leprosário de Paricatuba, em dezembro de 1930.

A primeira instituição com a finalidade de receber as crianças retiradas dos pais com hanseníase logo após o nascimento foi a creche Alice Sales, criada em 1926, localizada no bairro da Cachoeirinha, no período da gestão do Serviço de Saneamento e Profilaxia Rural do Amazonas.

Posteriormente, no dia 6 de julho de 1939, foi criado o Educandário Gustavo Capanema, que também tinha como objetivo acolher os filhos sadios de pais portadores de hanseníase internados no leprosário. Foram realizadas diversas campanhas para a construção do Educandário, oficialmente inaugurado em 1942, como instituição de apoio ao controle da hanseníase no Amazonas com o objetivo principal de amparar os filhos dos doentes nascidos nos leprosários Belizário Penna e Colônia Antônio Aleixo.

As instituições responsáveis pela execução da política contra a doença foram Umirisal (1868-1931); Linha do Tiro (século XIX-1930); Dispensário Oswaldo Cruz (1921-1950); Hospital-Colônia Belisário Penna – Vila Paricatuba (1931-1967); Leprosário Colônia Antônio Aleixo (1942-1978); Fundação Alfredo da Matta (1950-dias atuais); e Educandário Gustavo Capanema (1949-dias atuais).