Maria Antonieta e Luis XVI, o artigo!

A corte é viciosa. O povo nas ruas se inquieta e amplas forças políticas se conjugam para tirar o país de uma de suas crises mais profundas. O Parlamento vira palco de duros confrontos, o esquema de reação da “monarquia” só conta com forças flácidas. Seu braço mais agressivo, especializado em invadir terras produtivas, não se constitui em pessoa jurídica para garantir a impunidade dela própria e dos malfeitores que a compõem. Em suma, a “militância” que, anos a fio, rosnava e até mordia em defesa do rei e da rainha, está exaurida. A voz da sociedade indignada toma conta das praças, enquanto a guarda pretoriana sussurra, leão sem dentes que não mais consegue liderar a tribo.

No palácio, as festas se sucedem. Povo descontente? Ora, deem-lhe brioches. Em vão, porque multidões pacíficas protestam em panelaços ensurdecedores. E o casal de divindades se fecha nos palácios, coloca tampão nos ouvidos e joga fora tudo o que possa invadir a paz da corte com notícias “desagradáveis”. Festas e solenidades a mais não poder, para que ministros inebriados esqueçam as “maldades” da plebe. Abraços e gritos histéricos no “Olimpo” erigido em13 anos de desfaçatez e corrupção.

Mas não pensem que o casal real permanece alienado o tempo todo. Ao contrário! Defende-se em discursos desafiadores diante de plateias amestradas. Criticam o passado, exaltam um presente que a plebe ignara insiste em contestar. Verdadeiro complô, que visa a desestabilizar um poder de raízes divinas, que tanto bem faz a uma elite prestigiosa e refinada composta pelos que frequentam a Corte e co-governam o reino.

O rei e a rainha raciocinam como faziam os exércitos romanos: invadir territórios inimigos, chamar de bárbaros os derrotados, por mais cultos que fossem, pilhar os tesouros, assassinar os guerreiros e escravizar as crianças. Depois, é nomear os apaniguados para postos rendosos da administração, até mesmo uma empresa estranha, que gerava um óleo que servia para acender os lampiões de antanho. Por sinal, que escândalo sacudiu essa empresa: roubos, prisões, delações, um juiz resistente que teimava em não se curvar perante a rainha e o rei! Corrupção em reinos vizinhos, visitados em naus rápidas de propriedade de condôminos informais da tal empresa de óleo. Em muitas plagas, o método se repetia: empréstimos obscuros concedidos por um banco de nome econômico e social, empurrados goela abaixo dos parlamentares sentados em bancadas à gauche da Assembleia.

Suas majestades perseguem diplomatas “não alinhados”, deixando-os sem nenhuma ocupação, percebendo salário menor e padecendo de angústia. Aos bobos da Corte, tudo. Aos “não-alinhados”, a aflição da insegurança humilhante. Os monarcas, que toscamente desenho, liquidaram a reputação de uma diplomacia que era considerada tão eficaz quanto a da Inglaterra.

O rei e a rainha estão caindo. Ele sofre, porque confiava numa eterna impunidade. Ela não sei se sofre porque, pelas frases que emite, demonstra distância perigosa da realidade.

A verdadeira capacidade de decidir está nas mãos de dois vizires, ora ditando regras a partir da Assembleia Nacional. Mas os monarcas, no pouco de arbítrio que ainda empalmam, promovem cerco cruel contra uma cidadezinha situada ao norte do reino, dirigida por um homem teimoso. Punem o povo dessa localidade, porque aquele que a dirige não se ajoelha.

Cercam impiedosamente Troia, com a diferença de que, desta vez, as muralhas não se abrirão e os gregos serão derrotados. A cidadezinha não se renderá; os monarcas sim!

 

Arthur Virgílio Neto é prefeito de Manaus.