O Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) apresentou nessa quarta-feira (3) à Justiça um aditamento – acréscimo – à ação civil pública já ajuizada para exigir a recuperação de todos os danos causados ao meio ambiente pelas atividades de exploração de minério de ouro no garimpo do Juma, situado entre os municípios de Novo Aripuanã e Apuí. A área devastada coincide em sua maior parte com uma Unidade de Conservação Federal, a Floresta Nacional Aripuanã.
Após realizar inspeção ao local do garimpo, em abril, e colher novas informações sobre o caso, o órgão incluiu como processados na ação a ex-secretária de Meio Ambiente do Estado, Nádia Ferreira; o ex-diretor-geral do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Miguel Antônio Cedraz Nery; o ex-superintendente da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e ex-secretário de Estado de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos, Daniel Navas, outras duas empresas de mineração (Minorte Extração de Minério Ltda. e BBX do Brasil Ltda) e três pessoas ligadas diretamente à gestão do garimpo.
Diante da decisão liminar favorável concedida pela Justiça Federal, o MPF coordenou inúmeras tratativas para que os órgãos ambientais e de mineração fizessem fiscalizações in loco, o que ocorreu entre os dias 5 e 6 de abril. Diversos depoimentos colhidos no local e outras investigações realizadas na área confirmaram o que já havia sido apontado pelo MPF/AM na ação inicial e auxiliaram ainda na identificação de coautores dos diversos crimes ambientais cometidos durante a exploração mineral na região.
Segundo o MPF/AM, as apurações complementares demonstraram, entre outros fatos, que os então secretários de Meio Ambiente, Nádia Ferreira, e de Mineração e Geodiversidade, Daniel Nava, exerciam a influência política necessária para viabilizar licenciamento ambiental repleto de falhas e fragilidades e obtenção de direitos minerários do garimpo do Juma. “Contrariando a Constituição Federal, foi dispensado qualquer estudo ou relatório prévio no procedimento de licenciamento ambiental do Garimpo do Juma. Mesmo assim, o órgão licenciador, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), vinculado à Secretaria de Meio Ambiente, declarou de forma fictícia a viabilidade ambiental do empreendimento e expediu licença de instalação”, ressaltou o procurador da República Leonardo Galiano, autor do documento.
Os depoimentos reforçaram ainda a origem irregular do garimpo, iniciado a partir de episódios de grilagem de terras públicas da União, com participação direta de outros dois processados incluídos agora na ação pelo MPF: José Ferreira da Silva Filho, conhecido como “Zé Capeta”, e Mário Antônio da Silva, conhecido como “Velho Mário”. Ambos se autointitulam ‘donos’ do garimpo e contavam ainda com Paulo Cézar Lourenço Bruno, marido da presidente da Cooperativa Extrativista Mineral Familiar do Garimpo do Rio Juma (Cooperjuma), forjada pelo grupo para atuar de forma fictícia no garimpo. Ele também foi incluído como alvo da ação pelo MPF e é considerado o ‘braço armado’ do grupo, sendo relatados na petição diversos episódios de ameaças, violência e morte em decorrência do garimpo.
Intervenção da Presidência da República – Relatório do DNPM demonstrou que José Ferreira, o Zé Capeta, protocolizou o pedido de exploração da área no dia 8 de janeiro de 2007, e que, entre os dias 10 e 11 do mesmo mês e ano, o então governador do Amazonas, Eduardo Braga, agendou reunião com a então ministra da Casa Civil da presidência, Dilma Rousseff, para tratar de pedido de intervenção da Presidência da República no garimpo do Juma. Braga foi líder do governo Dilma no Senado entre março de 2012 a dezembro de 2014, quando foi anunciado oficialmente Ministro de Minas e Energia para o segundo mandato da ex-presidente.
O aditamento apresentado pelo MPF atribuiu ainda ao ex-diretor geral do DNPM, Miguel Antônio Cedraz Nery, a responsabilidade por se valer das prerrogativas do seu cargo para beneficiar diretamente outros processados na ação. De acordo com a investigação, ele bloqueou os demais requerimentos de direitos minerários em uma área de quase 400 mil hectares, que incluía e resguardava a área solicitada dias antes por José Ferreira, alegando a “necessidade de estudo do potencial geológico” na região.
O documento sustenta ainda que, em nível estadual, coube a Daniel Navas seguir com a estratégia, na condição de superintendente do CPRM à época e, posteriormente, secretário de Mineração e Geodiversidade. A atuação política mais forte para buscar a regularização por vias irregulares ocorreu na época em que Navas esteve à frente da pasta. Todo esse processo, de acordo com o MPF, foi necessário para o posterior repasse do direito de exploração da área à empresa Mineração BBX do Brasil Ltda, em tratativa classificada pelo MPF como “clandestina” e “de cartas marcadas”.
A empresa Minorte Extração de Minério também foi processada pelo MPF por ter comprado da cooperativa de fachada, por contrato escrito com cláusulas de sigilo (confidencialidade) e repasses no valor de R$ 12 milhões e ainda 25% do lucro, os direitos minerários do garimpo do Juma e, com isso, ter se tornado responsável pelo passivo ambiental deixado no local. Para esclarecer melhor à Justiça a teia de interesses envolvidos no caso, o MPF incluiu na ação um fluxograma detalhado indicando todos os personagens do caso e as relações entre eles.
Diante de diversos indícios da prática de crimes previstos na legislação brasileira, o MPF/AM requisitou a instauração de inquérito policial para concluir a apuração de todos os fatos na esfera criminal.
Além das pessoas físicas e empresas acrescentadas recentemente pelo MPF, respondem à ação o Estado do Amazonas, a Cooperjuma, a empresa Embloco Indústria e Comércio de Exploração e Beneficiamento de Minerais Ltda. – que comprou, em 2015, o direito de exploração da área da cooperativa e herdou a responsabilidade pelo passivo ambiental, e seus respectivos responsáveis, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e o Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam).
Devastação – A exploração de ouro no local esteve no auge entre 2007 e 2012, quando milhares de trabalhadores foram à região em busca da promessa de enriquecimento rápido no chamado “Eldorado do Juma”. Distante da presença do Estado, já que a área de garimpo fica a centenas de quilômetros da sede urbana do município de Novo Aripuanã, a paisagem no local foi transformada em poucos anos: assoreamento do rio Juma por rejeitos de barragens rompidas – que afetam também a bacia do rio Madeira, grandes clareiras abertas na mata, lençóis freáticos e rios contaminados. As condições precárias de sobrevivência no local levaram à morte dezenas de pessoas que se arriscaram, com a cooptação e estímulo dos órgãos do Estado, a trabalhar no local. Estimativas do Ipaam dão conta de que foram retiradas em torno de dez toneladas de ouro da área, sendo o segundo maior garimpo do Brasil a céu aberto.
A ação civil pública tramita na 7ª Vara Federal do Amazonas, sob o número 2733-78.2017.4.01.3200.