Silenciosa e repentina. Assim foi a morte da adolescente Maria de Fátima da Silva Oliveira, de 16 anos, na cidade de Vila Rica, a 800 quilômetros de Cuiabá, Mato Grosso. Eram 3h30 da terça-feira 11 quando a jovem começou a caminhar pelas ruas do bairro Inconfidentes. Ao notarem o sumiço da garota, os pais mobilizaram vizinhos e a polícia local para encontrá-la. Mas a principal informação para localizar a menina viria do namorado. Na delegacia, ele revelou que ela gostaria de morrer afogada. As equipes de buscas foram, então, enviadas para uma lagoa na região central da cidade. Às 14 horas, os policiais retiraram o corpo de Maria de Fátima do fundo da represa.
“O mundo desabou sobre nós”, disse à ISTOÉ Raimundo Oliveira, pai da jovem. O caso, que está sob investigação, é um dos que se espalharam pelo País, motivado pela participação de jovens no jogo de automutilação Baleia Azul. O drama do suicídio de crianças e jovens no Brasil também veio à tona com a morte de um casal no hotel de luxo Maksoud Plaza, em São Paulo. A estudante Kaena Novaes Maciel, de 18 anos, encontrada morta no domingo 16 com o namorado Luis Fernando Hauy Kafrune, de 19 anos, teria assistido à série 13 Reasons Why, lançada há menos de um mês na Netflix, – que tem como tema a trama de uma garota de 17 anos que se mata após ser vítima de bullying, assédio e estupro na escola. Apesar disso, o problema continua negligenciado para boa parte da população. “Trata-se de uma questão de saúde que precisa ser trabalhada: a sociedade precisa produzir uma narrativa de valorização da vida e não apenas espalhar o pânico”, afirma Thiago Tavares, presidente da ONG Safer Net.
“Muitas vezes, a principal motivação de um suicídio não é acabar com a vida, mas dar valor à existência, buscar vingança, ser valorizado por um desafeto ou enviar uma mensagem a alguém” Neury José Botega, especialista da Unicamp e assessor da OMS
Nos últimos dias, uma sequência de suicídios vem ocorrendo em diferentes cidades do País. Além do Mato Grosso, foram registrados casos semelhantes no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Paraíba e Paraná. Segundo o secretário de saúde de Curitiba, João Carlos Baracho, ocorreram oito tentativas na cidade, todas com sinais de automutilação e cinco com ingestão de medicamentos. “Foram quatro ocorrências na mesma noite, fugiu completamente do padrão”, diz.
Em todos os estados, as mortes estão associadas ao jogo da Baleia Azul, que consiste em 50 desafios diários enviados pelas redes sociais por um curador. As tarefas vão desde atividades simples, como desenhar uma baleia em um papel ou assistir sozinho a um filme de terror, até coisas mais agressivas, como cortar os lábios e perfurar a palma da mão. Quando deixa de cumprir as ordens, o participante é ameaçado pelo administrador. Na etapa final, o jogador deve se matar. No Mato Grosso, o delegado André Rigonato afirma que Maria de Fátima deixou cartas com uma lista do que deveria fazer, atividades como se despedir de amigos e apagar mensagens no celular. “Ela tinha cortes pelo corpo e vinha agindo de forma diferente”, diz. Até agora, as autoridades não apontaram responsáveis pelos crimes.
Causas do problema
Na medida em que eclode o assunto do suicídio, do qual pouco se fala, seja pela dificuldade em lidar com o tema, seja pelo medo de que possa desencadear novos casos, surge a dúvida: por que um jovem tiraria a própria vida? Fala-se sobre a crise da adolescência ou sobre uma possível tentativa de chamar a atenção. As causas, porém, são mais complexas do que julgamentos levianos.
Podem ter relação com possíveis quadros psiquiátricos, como depressão e bipolaridade. “Cerca de 97% das pessoas que se suicidam têm algum transtorno mental”, afirma o psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, superintendente técnico da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Estão, ainda, ligadas ao grau de desenvolvimento referente a essa etapa da vida. “Não há maturidade emocional e neurofisiológica nem bagagem para lidar com algumas experiências ”, diz Neury José Botega, especialista em prevenção ao suicídio, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e assessor da Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo a psicóloga e suicidologista Karen Scavacini, o cérebro só termina de se desenvolver aos 21 anos. Isso faz com que haja dificuldade em distinguir e encarar as emoções. “Há um comportamento mais impulsivo e agressivo e a busca por satisfação a curto prazo.”