Você compra um bilhete aéreo, chega no horário indicado, ocupa o seu lugar, cumpre as regras definidas pela companhia e é expulso violentamente da aeronave. A selvageria se deu no domingo 9, em um voo da United Airlines que ia de Chicago para Louisville, nos Estados Unidos.
Na terça-feira 11, um vídeo divulgado nas redes sociais mostra um homem retirado à força de um dos assentos do avião. Pelas imagens, é possível ver o médico David Dao sendo arrastado, no estreito corredor, por agentes de segurança. Em determinado momento, ele bate a boca em uma das poltronas e começa a sangrar. Em meio a gritos, os demais passageiros filmam a agressão contra Dao.
A cena bárbara ocorreu quando a companhia precisou acomodar quatro funcionários em função de overbooking (quando não há mais lugares livres) e escolheu aleatoriamente os que seriam retirados do voo.
O médico Dao foi um deles. “A companhia colocou o processo acima das pessoas de uma forma violenta”, diz Alexandre Slivinik, diretor do Institute Business Excellence, instituição sediada em Orlando com foco no atendimento ao cliente. “Mas ela subestimou a força das redes sociais.” Mais do que isso: a empresa, terceira maior do segmento nos EUA, perdeu US$ 1 bilhão em valor de mercado, mergulhou na maior crise de imagem de sua história e pode ter o presidente Óscar Múñoz afastado do cargo.
Múñoz cometeu o maior dos erros para um executivo em sua posição: não ficou ao lado do cliente. Pouco depois da agressão, o presidente da United disparou uma mensagem enfática defendendo a atuação dos funcionários da empresa. Ele afirmou que todos os procedimentos foram seguidos e que o passageiro agiu de forma abrupta. Logo após o comunicado, a companhia recebeu uma avalanche de críticas. “Grande parte das marcas que possuem capital aberto dá preferência aos investidores e não aos consumidores. Isso é um equívoco”, afirma Gabriel Rossi, professor de Marketing da ESPM.
O preço pago pela United foi alto. Após a viralização do vídeo, (que superou 5 milhões de visualizações em 24 horas) uma petição online, com mais de 77 mil assinaturas, pediu o boicote à empresa e a renúncia do presidente. Existe hoje, segundo Rossi, um fenômeno chamado “grownswell”, no qual consumidores se baseiam na experiência de pessoas comuns para escolher a marca que desejam. “Por isso, as imagens horríveis ganharam tanta força”, diz o especialista.
Recuperação
Agora, a empresa terá um imenso desafio pela frente. “A United vai ter que recontar sua história de uma forma autêntica, trazendo valores como respeito e conforto aos passageiros e mostrar que aprendeu com o erro”, afirma Rossi. Em situações de overbooking, o recomendado é que a tripulação pergunte se há voluntários para deixar a aeronave em troca de uma indenização em dinheiro ou em milhas. “Como as empresas pagam pelo tempo em que ficam no solo, elas tomam decisões pensando nos custos e não nos consumidores”, diz Slivinik. “É preciso mudar essa mentalidade: é mais vantajoso pagar indenizações do que gastar valores muito mais altos com eventuais processos morais.”
No caso do médico, o uso da força pelos agentes de segurança deve ser caracterizado como injúria pessoal. “O valor desse tipo de indenização pode chegar a US$ 2,5 milhões, ainda mais se somado ao constrangimento provocado pelas imagens que circularam por todo o mundo”, diz Daniel Toledo, especialista em legislação americana e diretor de uma consultoria de direito nos EUA.
Para afastar a turbulência
Na terça-feira 11, as companhias aéreas brasileiras ganharam novos ares. Um projeto de lei permitirá, por meio da alteração do Código Brasileiro de Aeronáutica, que empresas estrangeiras detenham até 100% do capital das companhias nacionais. Atualmente, o índice é de 20%. A ideia é fortalecer um setor que, nos últimos 2 anos, sofreu com a crise econômica. “A medida vem em boa hora para fomentar investimentos na aviação regional”, afirma Rafael Veras, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em Infraestrutura. “As empresas brasileiras não conseguiam firmar parcerias internacionais e a concorrência ficava limitada.” Como se trata de um setor importante para a economia, a medida deve gerar efeitos positivos.
Para especialistas, a limitação na entrada de capital estrangeiro se tornou um entrave, principalmente após a privatização dos maiores aeroportos do País. “O desenvolvimento da aviação civil está muito atrasado no País”, afirma Fabiano Teodoro Rezende Lara, professor de Direito Econômico do Ibmec-MG. Para ele, o setor não era tratado como estratégico. “Agora, há uma necessidade de as empresas se capitalizarem com companhias estrangeiras.”
Fonte: Isto É