A história, ensina o passar dos anos, costuma ser cíclica. Disputas originadas muitas vezes por motivos que nem constam nos registros oficiais acabam enraizadas no espírito coletivo dos envolvidos e perduram, ainda que abafadas, para sempre. É o caso de Escócia e sua relação com o restante das Ilhas Britânicas. Na semana passada, a primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, e a primeira-ministra britânica, Theresa May, reavivaram um conflito de 449 anos, quando as rainhas Maria Stuart, da Escócia, e Elizabeth I, da Inglaterra, travaram uma guerra que terminou não com a separação, mas com a união dos dois reinos sob um só monarca – no caso, Elizabeth I, já que Maria Stuart acabou tendo sua cabeça cortada na guilhotina. A querela, agora, tem como objetivo colocar um ponto final na união e declarar, enfim, a independência da Escócia. “O projeto da União Europeia parece estar à beira de um colapso”, diz Antonios Kouroutakis, professor da Escola de Direito da Business School de Madrid, na Espanha. “Este sentimento foi reforçado após o referendo britânico a favor do Brexit”.
Na mesma semana em que Theresa May iniciou o protocolo oficial que marca a saída do Reino Unido da União Europeia, submetendo a carta de aplicação do Artigo 50 à análise do Conselho Europeu, o parlamento escocês aprovou por 69 a 59 a realização de um novo referendo de independência. Em setembro de 2014, quando consultados para o mesmo fim, mais de 55% dos eleitores escoceses optaram por manter a união com a Coroa Britânica, mesmo com a justificativa de que, uma Escócia independente, com sua abundância em petróleo, poderia se tornar um dos países mais ricos do mundo. O governo britânico, à época liderado pelo primeiro-ministro David Cameron, defendeu a unidade do Reino Unido, dizendo que se tratava de um dos ajuntamentos políticos mais bem-sucedidas do mundo. De fato, o Brexit reacendeu o ânimo do Partido Nacionalista Escocês (SNP) e de sua líder, a primeira-ministra Sturgeon, e os gritos pela independência parecem estar cada vez mais presentes inclusive em outros países do Reino Unido, como a Irlanda do Norte, que também votou pela permanência na UE em julho do ano passado e que agora já manifestou interesse em se reunificar com a República da Irlanda. Desde o século 14, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte falam ou tentam se separar do Reino Unido.
Até que o processo de saída do Reino Unido da União Europeia seja sacramentado – o que deverá ocorrer somente em março de 2019, após dois anos de muito diálogo e negociações que mudarão, além da economia, a vida de 3 milhões de europeus que vivem na ilha e de 1 milhão de britânicos no continente, o imbróglio não será resolvido. Pelo menos é o que diz a primeira-ministra britânica, Theresa May, que já garantiu que irá reprovar o pedido de realizar a consulta popular separatista da Escócia entre o outono de 2018 e a primavera de 2019 “por se tratar de um momento inoportuno”. Sturgeon reagiu prontamente e disse que os votos do parlamento escocês devem ser respeitados. “O direito de realizar um referendo é inquestionável e seria democraticamente indefensável e impraticável que tentassem impedi-lo”, disse. A primeira-ministra lembrou também que 62% dos escoceses queriam a permanência do Reino Unido na União Europeia, mas que suas vozes não foram escutadas. Portanto, mais um motivo para apostar em sua independência. Para o governo britânico, as intenções da Escócia estão totalmente equivocadas. “Deveríamos trabalhar juntos e não nos afastar”, declarou em nota. “Seria injusto pedir à população da Escócia que tomasse uma decisão crucial sem a informação necessária sobre o futuro de nossa relação com a Europa, ou sobre o que seria uma Escócia independente”.
Intransigência
Resta saber se a intransigência do Reino Unido poderá ocasionar conflitos graves internos na Escócia e talvez até a ascensão de partidos e políticos de extrema-direita no País, uma tendência nacionalista que está varrendo a Europa. Por enquanto, o que se sabe é que cerca de 46% dos escoceses são a favor da independência, proporção mais alta registrada desde que a pesquisa sobre esse assunto começou a ser feita pelo NatCen, em 1999, um ano depois que o país conquistou uma significativa independência administrativa de Londres, tendo um Parlamento local e o sistema judiciário separado. Quem defende a convocação do novo plebiscito diz que o Brexit mudou todo o panorama daquela votação. Por outro lado, os que defendem a permanência no Reino Unido afirmam que não é sensato convocar um novo plebiscito de tal importância em tão pouco tempo. “A solução para problemas como este é mais integração, mais coordenação e não o contrário”, diz Kouroutakis, da Business School de Madrid. “Pena que o momento não seja o mais adequado para essa união e isso poderá ser fatal para toda a Europa”.