Jander Vieira entrevista

Doutora Jaiza Fraxe Ela é inteligente, temida, amiga dos amigos, dona de uma conduta ilibada, sensível, possui notório saber, ética e, ainda por cima, pensa no próximo – coisa RARA atualmente. É com muita honra e satisfação que o Blog entrevista a juíza federal Jaiza Fraxe, mãe-mulher-filha-exemplar. Jaiza desfila simplicidade, mas com um toque de elegância inquestionável. Ela pensa e vive sem culpa; podemos dizer que trata-se de uma meritíssima que dá sentido próprio à vida seja pela razão que for. Então vamos as perguntas:

1) Como foi para ser juíza?

Concluí o curso de Direito em 1991. Na ocasião eu era fiscal de tributos e o mundo vivia uma realidade onde Manaus não possuía internet ou era um serviço muito restrito. Não se falava em inclusão digital e o conhecimento era buscado apenas em livros. Hoje você se liga nos jornais online, nas redes sociais, recebe aulas e dicas para concurso que na época não existiam. Assim, eu vivia nos livros. Foi estudando e trabalhando que descobri outros mundos, outros concursos. Neste percurso fui também oficial de justiça e procuradora da fazenda nacional. E nesta caminhada eu descobri a Justiça Federal e suas competências e me APAIXONEI pela instituição. E sonhei. E estudei. E então realizei o sonho, o mesmo sonho que me realiza todos os dias, porque eu amo muito o que faço.

 

2) É fácil julgar um ser humano?

 É complexo trabalhar como julgadora. Mas, se pensarmos com calma, veremos que todos nós tomamos decisões em nosso COTIDIANO. Decidimos pequenos conflitos no trânsito, na escola, no trabalho. E fazemos isso constantemente. Somos juízes de nós mesmos, de nossos filhos quando pequenos e de nossa vida. Mas é verdade que decidir extremos, como restringir a liberdade ou retirar o patrimônio de um indivíduo é dificílimo. Coloco-me sempre no lugar do jurisdicionado e penso no alcance e nas consequências das minhas decisões daqui a dez dias, dez meses e dez anos. É uma técnica simples, dentre outras que constam do livro “Decisive” – de Chip e Dan Heath.

 

3) A senhora se considera juíza de mão pesada?

 Essa expressão era utilizada para caracterizar juízes que aplicavam penas muito elevadas. Porém, hoje a lei, a doutrina e a jurisprudência estabelecem as fases da dosimetria da pena com tanta pontualidade e clareza que o magistrado NÃO TEM COMO inovar ou exacerbar uma pena além do permitido. Se o fizer, será corrigido pelo primeiro Órgão Colegiado. Desse modo, eu tento aplicar uma pena justa, proporcional ao delito e a participação de cada um, quando atuo no Direito Penal. Na improbidade administrativa, as condutas e as penas estão claramente previstas na lei e os limites que vão do convencimento a sanção são restritos.

 

4) Hoje, qual a dificuldade que a senhora apontaria no trabalho?

 Há necessidade de COMPLETAR o quadro de juízes e servidores. Tenho atualmente quatro acervos sob minha responsabilidade e essa é uma quantidade enorme. Cada juiz federal deveria ter apenas um acervo de processos. Precisamos de mais magistrados federais para o Amazonas.

 

5) Qual a quantidade ideal de processo para um juiz trabalhar com qualidade?

 Há várias estatísticas tratando do assunto. Eu SONHO com o dia em que terei 500 processos sob minha responsabilidade. Hoje tenho, juntando os quatro acervos, doze vezes mais que isso aproximadamente.

 

6) Amigos do Blog elogiam muito sua forma de trabalhar, a maneira como conduz as audiências e o processo e o respeito com que trata os advogados. Mas, na sua opinião existe realmente um juiz neutro, verdadeiramente imparcial?

 Primeiro eu agradeço os elogios e atribuo ao respeito mútuo que mantemos todos no ambiente de justiça. Quanto à neutralidade, eu recordo Paulo Freire, para quem não existe educação neutra, pois segundo ele o educador trabalha com sua carga de SUBJETIVIDADE. O juiz, assim como o educador, tem sua história de vida, o que não significa que o magistrado deve jogar eventuais traumas e frustrações em seus jurisdicionados. É exatamente o contrário. Então posso lhe dizer que o Direito, quando é visto como ciência, também está sujeito ao mito da neutralidade, onde muitos acreditam que a objetividade das normas é capaz de suspender a subjetividade do julgador. Eu penso que é preciso fazer esse esforço na hora de julgar. Ou seja, é preciso tentar afastar a carga de subjetividade inerente à história de cada um. Mas, isso é mais uma fase do momento de decidir. E a mais difícil delas, a de buscar a neutralidade nas normas e nos valores, afastando as cargas oriundas da experiência pessoal.

 

7) O que a senhora não aceita que seja feito em nome da Justiça?

 Tortura e QUALQUER delito. Não se pode punir um crime com outro.

 

8) Um dos assuntos mais comentados neste início de ano foi a pena de morte aplicada a um brasileiro. A senhora é a favor da pena de morte?

 Não existe NADA mais bárbaro na modernidade do que insistir na pena de morte. Ela satisfaz apenas instintos afastados da razão pura. No dia em que essa pena for estabelecida no país pelo legislador, será a primeira vez em que eu me recusarei a cumprir a lei, porque será injusta. Nesse dia, a profissão de juiz no Brasil será reduzida à condição de carrasco e estará definitivamente afastada da Justiça como valor. Por outro lado, sou a favor da prisão perpétua para criminosos psicopatas que efetivamente praticam crimes hediondos. Para eles, nem a pena tradicional educará e nem o tratamento médico terá qualquer efeito. Devem reaprender a viver em lugares adequados e afastados do convívio social. No ponto, adoro os ensinamentos da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, especialista em comportamento humano.

 

9) Seus tesouros são?

 Meus filhos!

 

10) Qual o seu maior medo?

Eu não penso na vida com medo. A maior parte dos medos humanos são FABRICADOS, daí porque eu não fabrico medos, eu fabrico sonhos. O escritor Barry Glassner explica exatamente isso. Ou seja, nossa percepção sobre o perigo aumenta na mesma proporção em que fabricamos os riscos de viver. Assim, eu procuro viver sem medo.

 

11) Se não existissem leis, que pecados cometeria?

 Como o Direito se fixa no TRIPÉ fato-valor-norma, eu não imagino um mundo sem Direito. E a meu ver, a lei dos homens não existe para inibir o pecado, pois são categorias que habitam MUNDOS distintos no imaginário do ser humano. O Direito está atrelado à idéia de dever-ser com vistas a equilibrar os fatos e os valores, de modo a produzir normas possíveis de cumprimento e permitir que todos trabalhem para o bem comum em paz social. O pecado e suas punições se inserem no Direito Canônico, na fé (ou sua ausência) e na filosofia, de modo que, independente do Direito, sempre vai existir o pecador e o atirador de pedras e lei nenhuma jamais vai impedir essa lógica. Mas, o Direito sempre vai conseguir equilibrar as forças, o que já ajuda muito ao convívio saudável e a vida em sociedade.

 

12) Qual seria o capítulo mais interessante da vida da senhora?

 Aquele que está SENDO escrito, porque ele traz o aprendizado e a experiência conquistada com todos os outros capítulos vividos.

 

13) Quais sentimentos a senhora mais aprecia em uma pessoa?

Todo aquele que consegue se colocar no lugar do OUTRO e sentir as consequências antes de tomar qualquer atitude, tem a minha admiração.

 

14) Passado, presente ou futuro?

Os três vivem em constante entrelaçamento e troca de posições. Não é à toa que o símbolo do tempo é uma circunferência. Não se sabe quando o tempo começou a ser contado e nem quando chegará seu fim.

 

15) Estampas, listras ou poás?

Poás (petit poás), porque me trazem à lembrança a minha mãe e as histórias que me contava.

 

16) O traje certo?

A alma leve e a consciência TRANQUILA.

 

17) Amizade, família e amor…

Um bom resumo para o sentido da vida.

 

18) Shopping, livraria ou salão de beleza?

Passo nos três. Com os livros digitais, a frequência em livraria física tende a diminuir. Cada dia mais frequentamos livrarias digitais. Mas ainda prefiro ler em papel e virar as páginas de um bom livro.

 

19) Que pedido pessoal faria à Deus?

Todos os dias deixo meu agradecimento pessoal a Deus e peço PAZ. O mundo precisa de paz urgentemente. Não há mais cabimento convivermos em guerras. Mas, o homem, com seu livre arbítrio, precisa enxergar isso. Não precisamos de líderes maníacos. Todos esses deveriam renunciar coletivamente ao poder que possuem e usam para matar por prazer e vaidade.

 

20) Você tem excesso de vaidade?

De certo que em outra oportunidade eu devolveria a pergunta para que você definisse o alcance da palavra vaidade (rsrs). Mas, vou responder pensando de acordo com o senso comum. Vaidade em excesso eu não enxergo em mim, pois é INCOMPATÍVEL com a maneira como eu vejo o sentido da vida e da distribuição de Justiça Social. O mundo possui o suficiente para todos, mas, nunca haverá o suficiente para a satisfazer a cobiça e a vaidade.

 

21) Sintetize o Blog?

Textos inteligentíssimos, personagens adoráveis, verdades que impactam e recados que devem ter destinatários próprios. Uma maneira nova e atraente de passar informações, que hoje já é comum nos Estados Unidos e Europa e temos o privilégio de ver por aqui! Tenho lido todos os dias. Parabéns!!!