Uma ação apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) levou à Justiça um episódio emblemático entre os diversos casos de violações praticadas contra os povos indígenas durante a ditadura militar no Brasil: o massacre dos Waimiri-Atroari na abertura da rodovia BR-174 (Manaus-Boa Vista). No documento, o órgão exige a reparação dos danos causados, por meio de indenização no valor de R$ 50 milhões, pedido oficial de desculpas e inclusão do estudo das violações sofridas pelos indígenas nos conteúdos programáticos escolares, e requer também garantias de direitos para que tais episódios não se repitam.
Como pedidos urgentes, o MPF requer à Justiça que obrigue o governo brasileiro e a Fundação Nacional do Índio (Funai) a retificarem a área da reserva Waimiri-Atroari para incluir o trecho referente à BR-174 como parte da terra indígena e proíba qualquer medida de militarização da política indigenista naquele território, como incursões militares sem o consentimento do povo Waimiri-Atroari e possível condução de assuntos referentes a direitos indígenas da etnia por agentes e órgãos militares. Para exemplificar os riscos desse tipo de conduta, o MPF cita na ação o episódio ocorrido durante a execução da Operação Ágata 4, em 2012, quando militares da Marinha adotaram postura ofensiva em relação aos índios ao aproximarem-se da terra indígena. O caso foi apresentado à Justiça pelo órgão e resultou na condenação da União pela postura inadequada dos militares.
A ação inclui ainda, entre outros itens, pedido de liminar para proibir qualquer medida legislativa ou administrativa com impacto sobre o território Waimiri-Atroari sem consentimento e autorização prévia e determinante da comunidade indígena, que deve ser consultada, conforme a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de forma livre e informada, com base em regras a serem definidas pelo próprio povo Kinja, como os indígenas Waimiri-Atroari se autodenominam. A medida, segundo ressalta o órgão na ação, é necessária para assegurar, como medida de reparação preventiva, que novos empreendimentos – como a passagem da linha de transmissão, cujo projeto de traçado cruza a terra indígena – sejam implementados sem o consentimento dos indígenas.
O MPF sustenta no documento que “o Estado causou a morte de diversos Kinja por ataques diretos e em razão do contato interétnico, o que deve ser reparado”. Nesse sentido, o órgão pede que, ao final da ação, a União e a Funai sejam obrigadas a realizar cerimônia pública de pedido de desculpas na Terra Indígena Waimiri-Atroari, em que se reconheça os atos praticados contra o povo indígena pelo Estado brasileiro, e entreguem à comunidade todos os documentos governamentais, civis ou militares produzidos no período da ditadura militar, referentes à etnia e ao empreendimento de construção da BR-174.
Há ainda pedido para que a Justiça determine aos órgãos processados a realização de tradução para a língua Karib da Constituição Federal, da Convenção n° 169/OIT e do texto temático do relatório final da Comissão Nacional da Verdade sobre as violações de direitos humanos dos povos indígenas. Ainda nos pedidos finais, a ação requer a inclusão, no conteúdo programático dos estabelecimentos de ensino médio e fundamental, do estudo das violações dos direitos humanos dos povos indígenas durante a ditadura militar, com destaque ao genocídio do povo Waimiri-Atroari.
A ação civil pública tramita na 3ª Vara Federal do Amazonas, sob o número 1001605-06.2017.4.01.3200, e aguarda decisão da Justiça.