A pedido da Defensoria Pública, decisão da Justiça garante à mulher vítima de violência doméstica o direito ao silêncio diante do juiz

A Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) acatou recurso da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) e anulou a sentença de condenação de um homem por lesão corporal cometida em ato de violência doméstica contra sua companheira, porque não foi preservado o direito da vítima permanecer em silêncio no julgamento para não se incriminar ou incriminar um familiar, decidindo sobre a própria vida. Passados dois anos entre a denúncia e o julgamento, o casal já havia solucionado o conflito e não interessava mais ao bem-estar da família o prosseguimento da acusação. A decisão pode abrir precedentes.

“Esta decisão pode refletir uma mudança de pensamento do tribunal, podendo ser novamente aplicada em outros casos como este. É uma forma de resguardar o direito da mulher de decidir sobre a própria vida”, afirma o defensor público Gualberto Graciano de Melo, que atuou no processo como defesa do homem.

 Em uma apelação no processo 0201105-96.2013.8.04.0030, o defensor público pediu a anulação da sentença porque, durante o julgamento do processo, a vítima não teve resguardado seu direito a permanecer em silêncio, sendo obrigada a depor contra seu companheiro, o que violou um direito previsto no Código de Processo Penal.

 O defensor chegou a ingressar com um requerimento pedindo que a vítima permanecesse em silêncio durante a audiência de julgamento, realizada em 2015, mas o pedido foi negado. Como a mulher foi obrigada a se pronunciar sobre a agressão, o companheiro dela foi condenado a seis meses de reclusão por lesão corporal. No entanto, com a apelação interposta pela Defensoria Pública, a sentença de primeiro grau foi anulada, proporcionando um novo julgamento, onde será preservado o direito da vítima de silenciar sobre fatos narrados na denúncia.

A decisão, mesmo que tratando de caso particular, pode vir a garantir a mulheres vítimas de violência doméstica o direito de não serem obrigadas em juízo a prestar declaração contra sua vontade e sem que tenham sido avisadas de que podem permanecer em silêncio, o que é um direito previsto no Artigo 206 do Código de Processo Penal. Esse precedente é necessário, porque, em processos como este, que são incluídos na Lei Maria da Penha, feita a denúncia, a vítima não pode mais pedir o arquivamento do processo.

 O defensor público Gualberto Graciano acrescenta que contou com o apoio de um colega, Eduardo Dias, que deu todo o embasamento técnico para o recurso pedindo a anulação da sentença. Outras apelações seguindo o mesmo preceito foram movidas pela DPE-AM.

 A decisão, proferida no último dia 10 de agosto, resguarda ainda o direito de não se incriminar junto aos juizados contra a violência doméstica. O precedente também tende a evitar a revitimização da mulher, diminuindo o risco de ações por denunciação caluniosa contra as mulheres vítimas, uma vez que, sendo obrigadas a prestar depoimento em juízo, mesmo contra sua vontade, muitas mulheres afirmam que mentiram ao denunciar seus companheiros. Nesses casos, a mulher acaba correndo o risco de ser processada pelo Ministério Público por denunciação caluniosa.

 O defensor público explica que o caso ocorreu em 2013, quando ele atuava na Defensoria Pública como defesa dos agressores e recebia muitos pedidos de mulheres que não queriam mais dar prosseguimento às acusações porque a situação de conflito familiar já havia sido solucionada. Atualmente, o defensor Gualberto Graciano atua no Núcleo de Atendimento Especializado à Mulher (Naem), da DPE-AM.