Juíza Federal que recebeu prêmio nacional pela defesa dos Direitos Humanos fala sobre o Dia Internacional da Mulher

Um buquê de coragem, por favor.
As floriculturas, os restaurantes, as lojas de produtos femininos, os cinemas e os pontos de encontro, enfim, indústria, comércio e serviços amam a chegada do dia 8 de março. A data movimenta a economia, gera expectativas e produz muita propaganda. Economicamente, não chega a ser um ‘Natal’ ou ‘dia das mães’, mas não faltam homenagens, “memes” de internet, cartões digitais e fotos em grupos de WhatsApp. Mas as mulheres estão sendo lembradas exatamente por quê?
A história responde. No ano de 1977, a ONU – Organização das Nações Unidas – passou a adotar o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher. O objetivo seria lembrar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres. Em breves recortes históricos, é possível resgatar como a ideia de uma data comemorativa específica  surgiu.
Tudo começou efetivamente no final do Século XIX, nos Estados Unidos da América e na Europa, no contexto das lutas femininas por melhores condições de vida e trabalho, bem como pelo direito de voto.
As jornadas de trabalho de aproximadamente 15 horas diárias e os salários medíocres introduzidos pela Revolução Industrial levaram as mulheres a greves para reivindicar melhores condições de trabalho e o fim do trabalho infantil, comum nas fábricas durante o período.
Nos Estados Unidos da América, o primeiro Dia Nacional da Mulher foi celebrado em maio de 1908, quando cerca de 1500 mulheres aderiram a uma manifestação em prol da igualdade econômica e política no país. No ano seguinte, o Partido Socialista dos EUA oficializou a data como sendo 28 de fevereiro, com um protesto que reuniu mais de 3 mil pessoas no centro de Nova York e culminou, em novembro de 1909, em uma longa greve têxtil que fechou quase 500 fábricas americanas.
A luta ganhou mais força, até que em 26 de agosto de 1910, durante a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas na cidade de Copenhagen, a então líder alemã Clara Zetkin  propôs a instituição de uma celebração anual das lutas por direitos das mulheres trabalhadoras.
Por vários anos ocorreram manifestações e comemorações em defesa das mulheres, mas foi o dia 8 de março de 1917 a data da principal manifestação e onde foi instituído o  Dia Internacional da Mulher. Em meio ao movimento internacional socialista, no dia 8/3/1917 Intensificaram as manifestações de trabalhadoras russas por melhores condições de vida e trabalho e contra a entrada da Rússia Czarista na Primeira Guerra Mundial.
Com o passar dos anos, na antiga União Soviética, em especial durante o stalinismo, o Dia Internacional da Mulher tornou-se mais um instrumento de propaganda partidária. Por sua vez, nos países ocidentais como o Brasil, o Dia Internacional da Mulher foi comemorado desde o início do século XX até a década de 1920, tendo sido esquecido por longo tempo e somente recuperado pelo chamado “movimento feminista” por volta de 1960.
No Brasil da atualidade, a celebração do Dia Internacional da Mulher perdeu em grande parte o seu sentido original, adquirindo um caráter meramente comercial. O apelo para aquisição de flores, presentes ‘originais’ e serviços diversos invade a internet e a mídia impressa. Somos todos sufocados pela pressão consumerista.
Se por um lado não há nada errado em homenagear a mulher, afinal a data reflete anos de luta de gênero por direitos iguais, por outro lado o desvirtuamento do que motivou a data  faz apagar da memória a razão real da comemoração: a mulher viveu em muitas fases da história das civilizações (e ainda há resquícios dessa prática em muitos lugares) em condição de vulnerabilidade jurídica, social e de trabalho e é preciso vencermos essa condição desfavorável e resgatarmos a cidadania plena e a dignidade da mulher. As estatísticas oficiais comprovam que em geral os homens recebem salários 30% maiores que os das mulheres no Brasil.
Nos Tribunais Superiores do Judiciário nacional a participação da mulher nunca passou de 15%. O Supremo Tribunal Federal existe com esse nome desde a Constituição de 1890 e por longos 110 anos teve apenas homens nos cargos de ministros. Em 2000 pela primeira vez uma mulher ocupou uma das cadeiras da Corte Suprema. Na política, a estatística não é das melhores e o papel da mulher brasileira é um dos menores no mundo.
O fato é que a participação feminina nas esferas de governo é ínfima e continua refletindo o desequilíbrio histórico de gênero nas funções públicas. Aliás, o Brasil ocupa uma das últimas posições no ranking mundial de representação feminina nos parlamentos, de acordo com números divulgados pela ONU.
Portanto, o dia 8 de março não é exatamente uma comemoração efusiva e esplendorosa. É uma data para reflexão acerca do papel, das lutas e dos direitos da mulher no mundo e em especial no Brasil. Mais do que flores, presentes e convites a restaurantes, empoderar a mulher brasileira é uma expressão que vem se tornando cada vez mais necessária no país e que, se transformada em ações concretas, pode mudar o lugar das brasileiras na sociedade e pode permitir a elas caminhar com dignidade em busca dos seus direitos fundamentais.
Para tanto, é preciso que o país adote uma educação de qualidade nas escolas, planejada para resultados a longo prazo. E sobretudo que as famílias tenham coragem ao educar os filhos desde a primeira infância, para superar a ideia de dominação de um gênero sobre o outro.