Na terça-feira 18, um grupo de deputados desembarcou em Brasília bem cedo e seguiu imediatamente para a casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na QL 12 do Lago Sul, uma área nobre de Brasília longe das vistas dos futriqueiros de plantão. A reunião era secreta. A pauta uma só: como os parlamentares vão proceder para salvar a pele dos implicados na maior ação judicial contra a corrupção do País. Afinal, todos, sem exceção, do presidente da Câmara, passando pelos dirigentes dos principais partidos na Casa e ministros de maior prestígio no governo, estão encalacrados na Lava Jato e correm risco de ser condenados.
Seja por caixa dois eleitoral ou por corrupção. Por isso, diferentemente de outras épocas, quando pegavam no batente para valer somente na tarde das terças-feiras, agora eles aterrissam cedo na capital federal. O encontro do dia 18 não foi um ato isolado. Já faz parte da rotina, embora não integre a agenda oficial e não tenha local definido. Muitos parlamentares nem vão para seus estados. Preferem ficar em seus apartamentos funcionais em Brasília, elucubrando uma saída para salvar os próprios pescoços. Foi o que ocorreu no fim de semana que sucedeu a hecatombe.
As estratégias estão na mesa. Inércia, definitivamente, não é uma palavra familiar ao dicionário político. Pelo contrário. Por isso, faz parte da ofensiva do grupo coordenado pelos deputados Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Vicente Cândido (PT-SP) a retomada da votação do pacote de medidas que visa anistiar os deputados encrencados. Entre as propostas, está a lista fechada, defendida recentemente por Cândido.
O voto em um conjunto de nomes pré-definidos pelas siglas – e não em candidatos específicos – pode salvar os chamados caciques da política e evitar a proliferação dos outsiders nas próximas eleições. Mas é a anistia ao caixa dois o tema mais desejado por toda a classe política. Ao ser procurado, o presidente da comissão da reforma política, Lucio Vieira Lima, negou que “em nome de 42 citados na lista da Odebrecht, outros 400 deputados não vão aprovar esse perdão, não vão querer se expor à opinião pública”. O fato é que já se tentou votar o projeto ao menos duas vezes, mas a manobra foi interrompida por um pequeno, mas barulhento, grupo de parlamentares da Rede e do PSOL. A ideia é tentar sustentar a tese de que se o caixa dois for criminalizado, conforme pede o texto das Dez Medidas Contra a Corrupção, proposto pelo Ministério Público, significará que a lei não poderá ser retroativa e, portanto, somente a partir de sua aprovação é que passará a valer como crime.
“Distritão”
Num dos encontros das terças-feiras também foi definido uma espécie de estepe para o caso de a lista fechada furar. A intenção é emplacar o “distritão”, defendido pelo ex-presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso em Curitiba. O modelo acaba com as eleições proporcionais para o cargo de deputado federal. Serão eleitos os candidatos mais votados. Pela regra proposta, será extinta a distribuição de vagas pelas votações das coligações ou dos partidos. O quarto ponto acordado nas reuniões refere-se ao Conselho de Ética: há um acordo para que nenhum dos investigados seja levado ao colegiado enquanto o STF não julgar cada caso.
Esta não é única frente aberta para criar saídas às investigações contra parlamentares na Lava Jato que ocorrem fora do Congresso Nacional. A turma de senadores e das altas lideranças políticas quer evitar a qualquer custo que pessoas sem foro privilegiado, como aquelas que orbitam as autoridades, a exemplo de assessores, secretárias e familiares, acabem sendo presos preventivamente. Na avaliação dos parlamentares, trata-se de uma “estratégia dos investigadores” dotada de um “grande potencial destrutivo”. Segundo apurou ISTOÉ, estariam participando dessas tratativas interlocutores que gozam de fluido trânsito entre governo e oposição, como o ex-ministro Nelson Jobim (ex-STF), o ex-deputado federal Sigmaringa Seixas (PT) e o senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Todos juram que não participaram das articulações. Previsível. “A última vez que falei com o Nelson Jobim foi no aniversário dele – coincidentemente, no dia da divulgação dos vídeos de delações de executivos da Odebrecht”, explicou Seixas.
Se por um lado parlamentares, lideranças partidárias e o Poder Executivo se movimentam para achar uma bóia de salvação para todos, o Judiciário corre para tentar evitar que as artimanhas impeçam que, nos termos da lei, a Justiça seja feita. A presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmén Lúcia, e o ministro relator da Lava Jato, Edson Fachin, resolveram criar na segunda-feira 17 uma força-tarefa. Ela é composta por um grupo de juízes e auxiliares que trabalharão para dar celeridade às análises de provas e a fim de evitar que a maior operação de combate à corrupção sucumba à prescrição dos crimes e que seus julgamentos fiquem para as calendas. Também foram intimados os investigados nos dois inquéritos sob segredo de justiça. No governo, onde oito dos principais ministros integram a lista de Fachin, o presidente Michel Temer tem procurado mostrar que a máquina federal não pode ficar refém da Lava Jato. Na última semana, determinou a seus auxiliares que agilizem no Congresso a tramitação das reformas, sobretudo a Trabalhista e a da Previdência. “O governo não pode parar”, disse Temer no domingo, após se reunir com os principais auxiliares no Palácio do Alvorada. Não mesmo.